A manchete recente da revista IstoÉ, que aponta que o mercado financeiro acredita na prisão de Jair Bolsonaro, mas, ainda assim, votaria nele contra Lula, pode parecer, à primeira vista, uma contradição absurda. Porém, na realidade, faz todo o sentido dentro da lógica fria e calculista que rege o mercado financeiro. Esse aparente paradoxo revela muito mais sobre a natureza do mercado do que sobre política ou ideologia.
Em primeiro lugar, o fato de o mercado “achar” que Bolsonaro será preso não é sinônimo de apoiar ou concordar com sua eventual prisão. O mercado não age com base em princípios de justiça, legalidade ou moralidade. Ele faz análises pragmáticas, avalia cenários e projeta o impacto econômico de cada situação. A aposta na prisão de Bolsonaro é um cálculo: dadas as investigações e o histórico de decisões judiciais recentes, essa é uma possibilidade concreta. Todavia, isso não significa que o mercado considere algo desejável ou legítimo. Na verdade, o mercado financeiro, de forma geral, tem um histórico de desconforto com qualquer interferência legal que ameace seus interesses, mesmo quando dirigida a atores políticos controversos.
Segundo, e mais importante, é preciso compreender que o mercado financeiro não se importa com justiça social, igualdade, meio ambiente ou democracia. Ele é movido exclusivamente pela busca do lucro. Se Bolsonaro, mesmo com todas as acusações e a previsão de uma possível prisão, representa uma política que favorece desregulação, austeridade e redução de custos para grandes empresas, então o mercado o apoia sem pestanejar. Não importa se o candidato em questão prejudica a saúde pública, negligencia direitos trabalhistas ou enfraquece o combate à crise climática. Para o mercado financeiro, o que importa é quem cria um ambiente mais favorável ao aumento das margens de lucro e à manutenção de privilégios.
É essa lógica que permite ao mercado apoiar Bolsonaro, mesmo enxergando nele uma figura desgastada e com possíveis problemas legais. O mercado não se importa se o presidente de um país é preso, desde que suas políticas sejam mantidas. Afinal, não é o mesmo mercado financeiro que sufoca o crescimento econômico real ao priorizar a especulação? Que fomenta desigualdades ao buscar lucro em detrimento de condições de vida dignas para a maioria da população? Que financia a destruição ambiental e o caos climático porque as regulamentações ambientais “atrapalham os negócios”?
O mercado financeiro não é uma entidade ética, moral ou preocupada com os rumos da sociedade. Ele opera no campo da conveniência e da vantagem. A manchete, portanto, não é ilógica; ela é um retrato fiel do cinismo intrínseco ao sistema financeiro. E talvez essa seja a maior contradição: um modelo econômico que clama pela eficiência e racionalidade, mas que, no fundo, age de maneira míope, sem considerar as consequências sociais, ambientais e humanas de suas escolhas.
Enquanto o mercado continuar sendo tratado como um árbitro neutro, ignorando-se o seu papel como um ator poderoso e frequentemente destrutivo, veremos manchetes como essa sendo tratadas como paradoxais. Não há paradoxo: há um sistema que prioriza o lucro a qualquer custo, mesmo quando isso significa apoiar alguém que, no fim, pode muito bem ser preso.
Felipe Garcez (advogado e militante da Organização A Marighella – CPR)