Karl Marx: Teses sobre Feuerbach

Ludwig Andreas Feuerbach (1804-1872) foi um filósofo alemão, aluno de Friedrich Hegel, que evoluiu do idealismo hegeliano para o materialismo, tendo como foco a análise da relação entre o Homem e Deus. A teologia é desnudada por Feuerbach em sua antropologia invertida. Para ele, Deus não é o criador, mas, sim, a criatura inventada pelos homens, os verdadeiros criadores. O Homem é o sujeito-criador, Deus é o objeto-criatura, não é o contrário. As linhas de Feuerbach serviram de elo facilitador entre Hegel e Marx. Da alienação religiosa, percebida em Feuerbach com seu materialismo contemplativo, Karl Marx apontará posteriormente a alienação da classe trabalhadora (“proletários”) no sentido da mercadoria e dos meios meios de produção, por meio do materialismo histórico e dialético. 

“O pensamento nasce do ser e não o ser do pensamento”. O pensamento é o produto da natureza e a religião é o reflexo fantástico da natureza humana: “Em teu Deus, tu reconheces o homem, e, no homem, tu reconheces também o teu Deus; as duas coisas são idênticas. Não foi Deus quem criou o homem, mas o homem quem criou Deus à sua imagem”. Assim falou Feuerbach.

Nas 11 (onze) teses sobre Feuerbach, texto seguinte ora escrito na primavera de 1845, e somente publicado por Engels em 1888 como apêndice à edição da sua obra Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Alemã Clássica, enfim, Marx traz aqui o desfecho mais sublime da relação entre a teoria e a prática para os revolucionários de nosso tempo: não basta entender o mundo injusto, trágico e desigual em que vivemos, é preciso verdadeiramente, isto é, revolucionariamente, transformá-lo.

Imagem do artigo: Hegel, Feuerbach e Karl Marx

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Teses sobre Feuerbach

I

A principal insuficiência de todo o materialismo até aos nossos dias – o de Feuerbach incluído – é que as coisas [der Gegenstand], a realidade, o mundo sensível são tomados apenas sobre a forma do objecto [des Objekts] ou da contemplação [Anschauung]; mas não como atividade sensível humanapráxis, não subjetivamente. Por isso aconteceu que o lado ativo foi desenvolvido, em oposição ao materialismo, pelo idealismo – mas apenas abstratamente, pois que o idealismo naturalmente não conhece a atividade sensível, real, como tal. Feuerbach quer objetos [Objekte] sensíveis realmente distintos dos objetos do pensamento; mas não toma a própria atividade humana como atividade objetiva [gegenständliche Tätigkeit]. Ele considera, por isso, na Essência do Cristianismo, apenas a atitude teórica como a genuinamente humana, ao passo que a práxis é tomada e fixada apenas na sua forma de manifestação sórdida e judaica. Não compreende, por isso, o significado da atividade “revolucionária”, de crítica prática.

II

A questão de saber se ao pensamento humano pertence a verdade objetiva não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na práxis que o ser humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não realidade de um pensamento que se isola da práxis é uma questão puramente escolástica.

III

A doutrina materialista de que os seres humanos são produtos das circunstâncias e da educação, [de que] seres humanos transformados são, portanto, produtos de outras circunstâncias e de uma educação mudada, esquece que as circunstâncias são transformadas precisamente pelos seres humanos e que o educador tem ele próprio de ser educado. Ela acaba, por isso, necessariamente, por separar a sociedade em duas partes, uma das quais fica elevada acima da sociedade (por exemplo, em Robert Owen).

A coincidência do mudar das circunstâncias e da atividade humana só pode ser tomada e racionalmente entendida como práxis revolucionante.

IV

Feuerbach parte do fato da auto-alienação religiosa, da duplicação do mundo no mundo religioso, representado, e num real. O seu trabalho consiste em resolver o mundo religioso na sua base mundana. Ele perde de vista que depois de completado este trabalho ainda fica por fazer o principal. É que o fato de esta base mundana se destacar de si própria e se fixar, um reino autônomo, nas nuvens, só se pode explicar precisamente pela autodivisão e pelo contradizer-se a si mesma desta base mundana. É esta mesma, portanto, que tem de ser primeiramente entendida na sua contradição e depois praticamente revolucionada por meio da eliminação da contradição. Portanto, depois de, por exemplo a família terrena estar descoberta como o segredo da sagrada família, é a primeira que tem, então, de ser ela mesma teoricamente criticada e praticamente revolucionada.

V

Feuerbach, não contente com o pensamento abstrato, apela ao conhecimento sensível [sinnliche Anschauung]; mas, não toma o mundo sensível como atividade humana sensível prática.

VI

Feuerbach resolve a essência religiosa na essência humana. Mas, a essência humana não é uma abstração inerente a cada indivíduo. Na sua realidade ela é o conjunto das relações sociais.

Feuerbach, que não entra na crítica desta essência real, é, por isso, obrigado: 1. a abstrair do processo histórico e fixar o sentimento [Gemüt] religioso por si e a pressupor um indivíduo abstratamente – isoladamente – humano; 2. nele, por isso, a essência humana só pode ser tomada como “espécie”, como generalidade interior, muda, que liga apenas naturalmente os muitos indivíduos.

VII

Feuerbach não vê, por isso, que o próprio “sentimento religioso” é um produto social e que o indivíduo abstrato que analisa pertence na realidade a uma determinada forma de sociedade.

VIII

A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que seduzem a teoria para o misticismo encontram a sua solução racional na práxis humana e no compreender desta práxis.

IX

O máximo que o materialismo contemplativo [der anschauende Materialismus] consegue, isto é, o materialismo que não compreende o mundo sensível como atividade prática, é a visão [Anschauung] dos indivíduos isolados na “sociedade civil”.

X

O ponto de vista do antigo materialismo é a sociedade “civil“; o ponto de vista do novo [materialismo é] a sociedade humana, ou a humanidade socializada.

XI

Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo.