Entenda por que “Kosovo é Sérvia”

Recentemente a comemoração dos gols da seleção da Suíça contra o selecionado da Sérvia na Copa do Mundo de Futebol, ainda em andamento na Rússia, trouxeram um esquecido debate internacional: a questão do Kosovo. Os atletas Xhaka e Shaqiri, jogadores da Suíça, ambos de origem kosavar, marcaram um gol cada contra a seleção da Sérvia, e ao comemorar fizeram o símbolo de uma águia com duas cabeças, em clara lembrança ao símbolo da bandeira da Albânia (uma águia negra de duas cabeças). Xhaka nasceu na Basileia (Suíça), mas seus pais são kosavares, já Shaqiri nasceu mesmo em Kosovo e se naturalizou suíço em virtude do futebol. Mas é preciso voltar no tempo para compreender o triste significado do gesto de tais jogadores, para compreender a verdadeira relação geopolítica da afirmação albanesa sobre Kosovo. É preciso visitar a história para entender por que “Kosovo é Sérvia”. Antes de mais nada, uma informação que justifica a atualidade da região: Kosovo além de ser um polo de extração de petróleo, igualmente funciona como ponto fundamental das rotas de gás e petróleo dos grandes países capitalistas.

A região do Kosovo é um território localizado na Península dos Bálcãs (ou Península Balcânica), dentro do continente europeu. Desde a Idade Média, o povo sérvio habita este local, tornando o mesmo um berço da civilização sérvia. Centenas de monumentos culturais medievais sérvios, mais de 1.300 templos religiosos, dentre outros fatores de importância histórica ligam diretamente o território do Kosovo ao povo sérvio. No século XII, Kosovo abrigava o centro cultural, diplomático e religioso do Reino da Sérvia.

A Batalha do Kosovo, em 15 de junho de 1389 (28 de junho, segundo o calendário juliano), foi um dos eventos mais marcantes da história do povo sérvio, quando o exército liderado pelo príncipe sérvio Lazar Hrebeljanovic enfrentou o exército invasor otomano, liderado pelo sultão Murad I. Em desvantagem numérica, o exército sérvio foi derrotado para os otomanos. O príncipe Lazar acabou morto durante a batalha, tornando-se um grande herói sérvio. Esse episódio foi de enorme importância para a história e identidade nacional sérvia, servindo de inspiração para os movimentos de libertação contra o domínio do Império Otomano no século XIX.

Durante o longo domínio otomano no Kosovo, que durou de 1459 até 1912, os otomanos levaram a islamização e esfacelaram o cristianismo na região. Nesse processo a Igreja Ortodoxa Cristã da Sérvia foi extinta, e muitos lugares sagrados para os cristãos ortodoxos foram destruídos ou transformados em mesquitas. Isso gerou um gigante êxodo sérvio, fazendo com que Kosovo, no final do século XIX, fosse composta em sua maioria por albaneses, um povo que abertamente se converteu ao islamismo durante a ocupação otomana.

Durante o século XX, em especial nos anos da Iugoslávia Socialista, liderada por Tito, os sérvios retomaram para a histórica região do Kosovo. De grande importância recordar a pacificação dos conflitos étnico-nacionais e religiosos durante o período de Tito. Independentemente dos equívocos na política externa e em questões econômicas internas, estruturais ao socialismo, a verdade é que no tempo de Tito, os povos da Iugoslávia viveram em harmonia e tranquilidade, sendo a identidade iugoslava maior do que as expressões nacionalistas dos croatas, eslovenos, sérvios, bósnios, montenegrinos, muçulmanos, albaneses, macedônios, dentre outros povos que pertenceram a velha Iugoslávia Socialista. Com a morte de Tito, essa história de paz e harmonia entre os povos começaria a mudar. E o desmantelamento por completo do bloco socialista na contra-revolução de 1991 seria um fator agravante para estimular ainda mais o sentimento do ultra-nacionalismo reacionário dos povos que pertenciam a velha Iugoslávia. Tão logo foi descoberto que os financiadores dos grupos nacionalistas radicais na península balcânica eram todos vinculados aos interesses do imperialismo ianque (EUA) e europeu (União Europeia). Uma série de conflitos separatistas ocorreram entre os povos da antiga Iugoslávia, e a mesma foi totalmente desintegrada. No entanto, o núcleo duro do que teria sido a velha Iugoslávia Socialista permaneceu, com erros e acertos, na nova Sérvia que surgia.

Dessa forma, aconteceu a Guerra do Kosovo, no final dos anos 90, quando o exército iugoslavo (sérvio) lutava bravamente contra o Exército de Libertação do Kosovo (ELK; em albanês “UÇK”), um exército irregular (de guerrilha) formado por mercenários albaneses que, com armas contrabandeadas na Albânia, começou a atacar prédios oficiais iugoslavos (sérvios) no Kosovo. A agitação do ELK era pela independência do Kosovo, então região da Sérvia. Para alcançar seus objetivos o ELK fez uso de sequestros e assassinatos, dentre outros crimes contra os sérvios, contra os albaneses acusados de colaboração com os sérvios, contra as autoridades políticas locais, e contra ciganos (povo romani), que sempre viveram na região. Uma verdadeira limpeza étnica foi realizada no Kosovo por parte dos albaneses-kosovares do ELK, então títeres do imperialismo ianque e do imperialismo europeu na guerra pela independência de uma região que nunca teve histórico de luta independentista. Ou seja, ao longo de todos os séculos, nunca Kosovo teve levantes ou tentativas de independência, o que demonstra o caráter de ficção da tal “libertação” do Kosovo.

Fato relevante é que o ELK, ao mesmo tempo em que era financiado pelo imperialismo, era visto oficialmente como grupo terrorista pelos EUA, pela França e pelo Reino Unido. Mas a caracterização de terrorista durou poucos anos desde a fundação, em meados dos anos 90 com acelerado recrutamento de um exército de mercenários, semelhante ao atual Estado Islâmico, até 1998, quando misteriosamente o ELK foi retirado da lista de organizações terroristas, e passou a ser visto como vítima do Governo Milosevic.

Ao admitir o ELK como força legítima de uma suposta luta pela independência de uma região que nunca teve histórico disso, a ONU, organismo máximo da superestrutura mundial da globalização imperialista, abriu uma fantasiosa rodada de negociações para a paz da região. Na prática, o governo sérvio de Slobodan Milosevic deveria aceitar a separação do Kosovo e outras condições irreais para qualquer Estado-Nação, ainda mais considerando a grande população sérvia naquela região e a secular relação entre o povo sérvio e Kosovo. Na época, a imprensa global burguesa, notoriamente a serviço do imperialismo, inclusive evidentemente a brasileira, denunciaram supostos crimes contra a humanidade promovidos pelo Governo Milosevic, e até mesmo o êxodo de sérvios no Kosovo era utilizado como propaganda inversa para denunciar a “expulsão” de albaneses no Kosovo por parte do governo. Milosevic ficou conhecido mundialmente como um segundo Hitler, ou na definição mais célebre o “Carniceiro dos Bálcãs”. E evidentemente o fato de ter sido forjado nas fileiras do antigo Partido Comunista da Iugoslávia foi mais uma sustentação contra Milosevic, mesmo sendo o próprio um flagrante revisionista eurocomunista, que claramente ajudou na derrocada do bloco socialista. Mas não importava nada disso, Milosevic era nos jornalões do mundo inteiro um “ditador comunista”.

Em 1999, após a falta de acerto nas negociações de paz, a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), sem apoio da ONU, decidiu bombardear indiscriminadamente a Iugoslávia, matando milhares de sérvios e destruindo todo o país. As marcas do cruel bombardeio que durou 78 dias podem ser vistas nas ruas de Belgrado, capital da Sérvia. Depois disso, as tropas sérvias se retiraram de Kosovo, e as “tropas da paz” assumiram a região. 

Desde então, a Província Autônoma do Kosovo e Metohija, denominação sérvia para região do Kosovo, enfim, chamada agora de República do Kosovo, encontra-se sob administração da ONU e de fantoches locais do imperialismo, também fortemente vinculados ao governo albanês. Em 2008, Kosovo declarou sua independência unilateral, nunca tendo sido reconhecida pela Sérvia. Outros países como a Rússia, a China, a Espanha e o Brasil também não reconheceram a independência do Kosovo. Ao passo que os Estados Unidos, a França, e o Reino Unido reconhecem o filho que ajudaram a parir.

Algo que é muito pouco dito é sobre as condições em que se encontram os sérvios que ainda moram no Kosovo. Em verdadeiro ato de resistência, e a maioria por necessidades pessoais, os sérvios que moram em Kosovo têm sido alvo fácil de grupos paramilitares de extermínio, além da reconhecida perseguição do “Estado” do Kosovo. De acordo com o Ministério Sérvio para a região do Kosovo e Metohija, mais de 1.000 sérvios foram assassinados desde o fim da guerra. Outros dados dão conta que mais de 10.000 sérvios tiveram seus nomes “albanizados”, transformados do idioma sérvio para o idioma albanês (por exemplo: Nikolić virou Nikoligi, Petrović virou Petrovigi), além de terem suas nacionalidades alteradas de sérvios para kosovares. Uma flagrante limpeza étnica!

Outro fator muito relevante é que o Governo do Kosovo tornou-se uma verdadeira organização criminosa, notoriamente envolvida com tráfico internacional de drogas, de armas, de pessoas, de órgãos, tendo inclusive outras acusações de corrupção de todo tipo! A máfia albanesa é parte integrante do Governo do Kosovo! E isso é muito conhecido na região.

Desde o final da guerra, a União Europeia e a ONU tem buscado intimidar o reconhecimento da independência do Kosovo por parte da Sérvia. No entanto, conforme disseram as autoridades sérvias no último emparedamento da União Europeia (UE), que condicionava a entrada da Sérvia na UE ao reconhecimento da independência do Kosovo, “enquanto existirem os sérvios, Kosovo é Sérvia”. 

Em meio a toda enxurrada de provas sobre a agonia dos sérvios na atual “República do Kosovo”, morreu misteriosamente na prisão Slobodan Milosevic (seu advogado afirma que ele foi envenenado), e anos depois de sua morte o Tribunal Internacional de Haia reconheceu a sua inocência nos supostos crimes contra a humanidade. Isto é, morreu sem ver decidida a sua inocência. É evidente que a absolvição de Milosevic não foi colocada nas manchetes de nenhum dos grandes jornais ou telejornais do mundo, diferentemente daqueles dias de 1999 quando seu nome circulava como “Hitler dos Bálcãs”. Enquanto comunista, Milosevic inegavelmente foi um traidor revisionista que colaborou com a contra-revolução de 1991. Por óbvio, Milosevic e seu governo tinham graves erros de ordem econômica e social, entretanto, o quadro pintado pela imprensa burguesa global não era real, como demonstrado em sua inocência.

Por fim, o mundo precisa saber que para o povo sérvio, a Sérvia segue dividida em três partes (ou três estados, como é no Brasil): Sérvia Central, Província Autônoma de Vojvodina, e Província Autônoma do Kosovo e Metohija. Essa última é justamente onde o imperialismo afirma existir uma República do Kosovo. E só afirma existir porque a região é polo de extração de petróleo e interessa nas rotas energéticas. 

Por que a Palestina não é reconhecida depois de tantas décadas de batalhas e com um histórico secular de luta pela liberdade de seu povo, mas Kosovo, que nada teve de histórico independentista, tem um “Estado” reconhecido? Talvez o “Campo de Bondsteel”, maior base militar norte-americana fora dos Estados Unidos, localizada perto de Urosevac, na parte oriental do Kosovo, explique o motivo. Talvez o petróleo da região e as rotas energéticas, asseguradas por tal gigante base militar, expliquem o motivo.

Entenderam por que “Kosovo é Sérvia”!?