João Gabriel é doutorando em comunicação e investigador do Instituto de Pensamento y Cultura em América Latina (México).
O que está acontecendo com o mundo, em particular com América Latina, que até Holliwood precisa dar uma versão com seu novo hit Joker das barricadas de fogo? A primeira coisa que precisamos falar é o sujeito por trás dessa questão.
Cada vez mais o capitalismo inventa desculpas para não lidar com um fato concreto, as juventudes hoje estão perdidas. O pacto de classe criado para enfrentar a União Soviética se baseava em uma simples premissa: se você conseguisse um bom emprego, principalmente depois de ir à universidade, teria algum conforto pelo resto da sua vida. A aceitação social da desigualdade se fundamentava nessa suposição de igualdade. Uma família pobre aceitava sua pobreza na esperança de fazer um dos seus filhos “doutor” e com isso resgatar sua família. Existia um suposto espaço de segurança que fazia com que a classe trabalhadora renunciasse seus direitos concretos em nome da sua juventude. Com o fim da União Soviética, o Capitalismo perdeu a vergonha e rompeu este pacto, tendo na educação um dos seus principais pontos de interesses de comercialização, e avançando nas reformas que pouco a pouco desmontaram os “empregos estáveis” tão almejados pela população pobre.
Como alternativa, começam a oferecer o discurso barato do empreendedorismo e venderam empresários bem sucedidos como os guias ilustrados presidenciais para isso. Piñera no Chile, Santos na Colômbia e agora o jovem economista Duque. Inclusive Rafael Correa cometeu o erro de apoiar o coach motivacional Lenín Moreno para entrar no governo. Todos esses personagens compartilham um traço em comum, são a cara “bonita e bem sucedida” de uma meritocracia que o neoliberalismo quer vender. O problema é que, ao contrário da lógica do bem-estar social, essa desculpa é muito mais difícil de tragar. A classe própria que se endividou para colocar seus filhos na universidade veem agora esses mesmos filhos desempregados ou com empregos que mal e mal pagam as parcelas do empréstimo universitário. O crescimento absurdo dos aluguéis em todas as grandes cidades fazem com que uma população cada vez mais urbana desista dos planos de construir famílias, e se sintam obrigados a dividir apartamentos com cada vez mais amigos ou desconhecidos para sobreviver a especulação imobiliária. O transporte come cada vez mais o pouco que sobrou entre dívidas universitárias e aluguel. E, como a cereja do bolo, cada vez mais aumenta a guerra dentro dos próprios jovens da classe trabalhadora, com os mais excluídos optando pela economia ilegal e os demais, desesperados pelo pouco que deixou o sistema para eles, criando um ódio social por medo de que lhe roubem o celular.
Essa é a real situação e há 3 casos paradigmáticos de reações recentes: Chile, Colômbia e Equador.
- Chile era o reduto mais bem acabado da farsa. Se construía como o último paraíso neoliberal, enquanto possui o maior crescimento de suicídio entre jovens da região.[1] O que está acontecendo por lá é um puro e simples “burnout” coletivo. Ou seja, a panela de pressão estourou com um simples aumento no transporte. A violência popular no Chile hoje não tem nada de revolucionária, é apenas a expressão de uma raiva disseminada a tudo que citamos anteriormente. Os partidos de “esquerda” e direita se assustam, porque não há alternativa no marco da institucionalidade para respondê-lo. Há um esforço, ainda relativamente minoritário, desses jovens super estudados que perderam a ilusão de crescer no sistema, de propor algo desde isso, tentando principalmente fazer ações “assembleiariais”, mas não há um nível de organização suficiente, enfim, ainda não se vê um projeto alternativo de poder. Pode-se dizer que a tarefa central agora é fazer com que a bandeira histórica da assembleia constituinte seja massificada e popularizada, seja, enfim, a síntese da possível e imediata mudança, o que seria uma conquista enorme diante da constituição pinochetista.
- No Equador passou algo similar, mas pelo aumento do combustível. O que deu outro perfil e inclusive a possibilidade de vitória na pauta imediata, revogar o fim dos subsídios, foi a existência de movimentos sociais antigos e legitimados o suficiente para estabelecer um diálogo com o governo. No caso deste país, as implosões sociais serviram para colocar de novo no tabuleiro político o movimento indígena que andava deslegitimado depois de derrotas consecutivas contra Rafael Correa. A complicação aí é que o movimento indígena, por mais óbvio que pareça, defende seus próprios interesses. A CONAIE tem um histórico de aliar-se com a burguesia e grandes ONGs internacionais, e nunca conseguiu ser o protagonista de um projeto político minimamente transformador. A juventude termina se condicionando a eles por uma vitória ideológica que souberam fazer lá, de construir desde o discurso “decolonial” um relativo consenso deste movimento como reduto ético. Se bem que isso serviu para uma vitória temporária, ainda estando pendente do significado político real desse apaziguamento, pois pode ter sido simplesmente um alongamento de uma tensa paz com o sistema.
- Na Colômbia, os acordos de paz foram uma vitória dessa juventude descrita, os reais protagonistas desde a sociedade civil na esperança de que com esta mudança o pacto de bem-estar social pudesse ser restabelecido. Ao invés disso, abriu caminho para um aprofundamento da exploração capitalista, pois a ultra-direita soube utilizar da total possibilidade de mudanças sociais que o discurso moderado que o governo de Santos oferecia para poder tensionar politicamente e se transformar na voz da mudança. Como resultado, o atual governo vem realizando o assassinato sistemático de líderes, perseguição de oponentes políticos e consolidando reformas absurdas como obrigar que os jovens recebam 25% menos que os adultos para realizar o mesmo trabalho, repasse do dinheiro das universidades públicas para pagar dívidas do exército, entre outras. A resposta social foram duas posturas igualmente tradicionais da esquerda colombiana. Por um lado, pela esquerda, um setor decidiu voltar à guerrilha, não como um projeto de poder, mas um projeto de proteção mediante contra os assassinatos e perseguições, algo visto com muito baixo apoio popular. E outro setor majoritário, “progressista”, se apegou à institucionalidade, entre esses inclusive setores da própria FARC, fingindo que ainda existe alguma esperança no pactuado.
Olhando os 3 exemplos, podemos definir como 3 grandes vertentes contemporâneas do movimento popular na América Latina: o espontaneísmo bem intencionado; o corporativismo identitário vestido de interesse de classe; e a repetição viciada do que não funciona neste momento. Essas parecem ser a tendência geral dos comportamentos das forças sociais frustadas com o atual sistema capitalista, em particular às juventudes.
A tarefa das organizações revolucionárias deve ser pensar uma linha de ação coerente para, entendendo a diferença entre os 3 processos e reconhecendo o problema concreto desse sujeito histórico que é a grande ponta de lança das lutas sociais contemporâneas, ora a juventude, enfim, propor linhas de ação para cada um dos casos, pois a tendência é que essas expressões se manifestem em ciclos cada vez mais frequentes enquanto não consigamos derrubar a burguesia. É necessário ter uma política profundamente assertiva para a juventude latino-americana.
[1] https://radio.uchile.cl/2016/09/21/alta-tasa-de-suicidios-juveniles-revela-cruda-realidad-social-chilena/