A recente vitória de Trump, se colocada lado a lado com a possível eleição de Kamala Harris, nos permite uma leitura crua, mas reveladora. Ambos são de direita, sim. Trump com seu estilo folclórico e agressivo, Kamala com sua postura que evoca uma falsa sobriedade e autoridade. Mas a linha que os separa é clara: Kamala é o nome preferido do Deep State — essa entidade sombria e já conhecida que precisa manter os EUA no papel de polícia do mundo, defensor incansável de seus próprios interesses imperialistas. Trump, por outro lado, representa uma fração da burguesia americana que, no fundo, gostaria de ver o resto do mundo explodir. Para o Brasil e para muitos outros países, isso, por mais estranho que soe, é menos prejudicial.
Kamala e o governo do qual ela fez parte venderam uma imagem de inclusão, mas, se olharmos de perto, é um teatro bem montado. Mulher, negra, símbolo de diversidade. Mas o que foi o governo Biden-Harris para os oprimidos, para os que sofrem nas bordas do império? A desigualdade racial cresceu, e o aparato de segurança interna fez o que sempre faz: segurar com mãos de ferro a “ordem” que beneficia poucos. Além disso, foi esse governo que permitiu o massacre em Gaza, que apoiou ataques ao Líbano, que financiou a guerra na Ucrânia. O discurso da Kamala em prol das minorias é, na realidade, uma cortina de fumaça para encobrir o enriquecimento dos mesmos conglomerados de sempre. Aqueles que ontem financiaram o nazismo abertamente são os mesmos que hoje aplaudem as campanhas “inclusivas” que, no final das contas, têm apenas o objetivo de fazer mais dinheiro. Enquanto isso, as minorias que Kamala supostamente defende continuam morrendo sistematicamente.
Trump, por mais absurdo que possa parecer, foi o único candidato que prometeu algo que a esquerda mundial vem clamando: o fim das guerras. Ele declarou, sem rodeios, que pretende parar a guerra na Ucrânia e encerrar o apoio cego aos ataques em Gaza. Kamala, no entanto, promete apoio “até o fim”. Mas o fim de quem, exatamente? Certamente não o fim dos interesses imperialistas, que são, na verdade, apenas os interesses de uma pequena elite econômica que vê na guerra uma fonte inesgotável de lucros.
No fim das contas, Trump e Kamala são ambos produtos do império norte-americano, mas isso não significa que a análise se resume a escolher o “algoz melhor”. Trata-se de compreender qual figura, dentro das opções, gerará as menores consequências para o mundo. Afirmam que Trump favorece a extrema direita, e é verdade. Mas por que Kamala, representante do neoliberalismo e de um partido que financia ditaduras e golpes de estado ao redor do mundo, incluindo a América Latina, não seria, na prática, também uma aliada da extrema direita? O perigo de Kamala é que muitos na esquerda latino-americana a enxergariam como uma aliada, uma inspiração. Comemorariam sua vitória, como se a diferença estivesse em um corte ideológico, quando, na verdade, a lâmina do império é a mesma.
Kamala, com sua retórica progressista, é um risco maior justamente porque engana, porque oferece ao mundo a ilusão de um império mais “humano”, como se existisse gentileza no ato imperialista. Muitos aplaudiriam sua vitória como o boi aplaude o açougueiro que adorna o cutelo com a etiqueta da diversidade. Enquanto houver quem acredite nisso, haverá quem sofra o impacto real dessa ilusão.
Por fim, em que pese haver diferença para a classe trabalhadora estadunidense, na prática, para os povos em luta pelo mundo, especialmente o brasileiro, diferença não há ou é irrelevante. Assim, como dizia um funk carioca noventista – “Qual a diferença entre o charme e o funk? (Rap da Diferença)” -, de autoria de MC Markinhos & MC Dollores, qual é a diferença entre Kamala e Trump? Os dois são imperialistas, os dois são uns farsantes!
Felipe Garcez (advogado e militante da Organização A Marighella – CPR)