OS QUATRO GRAVES ERROS DO POSSÍVEL ACERTO (OU O QUINTO ERRO) NO APOIO A RODRIGO MAIA, OU O PORQUÊ A REALPOLITIK DEVE SER DIDATIZADA

Por João Herminio e Gustavo Ferreira


Antes de qualquer coisa, é preciso automatizar uma premissa em toda reflexão atualizada sobre a conjuntura nacional: nós perdemos as eleições. O campo progressista foi profundamente derrotado. Nós estamos na lona, ou para bom entendimento brasileiro, nós sofremos uma goleada.

Com tal admissão mentalizada, tudo fica mais fácil de compreender. A resistência ao bolsonarismo não se dará tentando vencer e avançar, isso será impossível a curto e médio prazo; ao contrário, a resistência ao bolsonarismo dar-se-á em recuo tático, criando fortalezas, reduzindo danos, construindo pontes de diálogo e amplitude, e impedindo os maiores retrocessos, em especial nas mínimas liberdades democráticas, nos direitos do povo (direitos sociais, trabalhistas e previdenciários), e na soberania nacional. O principal fortim de resistência será a defesa da Constituição Federal de 1988. Assim, não há espaço para aventuras sectárias, devaneios irresponsáveis e ilusões esquerdistas. Nossa tarefa central, por mais duro que seja, é organicamente sobreviver! Uma lição simples é a de que a realidade concreta não pode ser ignorada, principalmente por quem visa transformar a realidade. Não se altera a correlação de forças sem reconhecer a correlação vigente.

Nesse aspecto, as eleições das presidências das casas legislativas nacionais são verdadeiras aulas para o entendimento básico da realpolitik. Quem consegue organizar mais parlamentares em torno de sua candidatura, quem tem maior quantidade de votos dos seus colegas deputados ou senadores para ser eleito presidente da câmara dos deputados ou do senado federal, por óbvio, é eleito. É simples como dois mais dois são quatro. A matemática da eleição do Congresso Nacional é exata, é semelhante a uma “contagem de garrafinha” aprendida nas instruções práticas de juventude em congresso de movimento estudantil. Quem tem mais voto, leva. E não há muito tempo para campanha, ou trabalho de agitação e propaganda para além dos corredores de Brasília, já que a votação é breve, internalizada e logo no primeiro dia de atividade parlamentar. Mesmo assim há quem faça cavalo de batalha em cima disso, há quem ouse brigar com a matemática simples, há quem busque fazer mágica contra a realidade, um ilusionismo que só interessa a uma fidelização quixotesca, ao mesmo tempo em que a realidade política cruel acaba sendo mais fortalecida do que antes do processo. É a turma que segue a velha frase de Nelson Rodrigues: “se os fatos estão contra mim, pior para os fatos“.

Não se pode dizer que a eleição para presidência das casas parlamentares do Estado brasileiro não é ideológica, mas não se pode dizer isso simplesmente porque a ideologia dessas instituições é claramente burguesa, e o tipo de disputa de seus comandos igualmente é burguês, pouco importando quem esteja na disputa ou no comando das casas. Na prática, as linhas políticas, os posicionamentos frente aos projetos de lei, as distinções de campos ideológicos, e tudo mais, ficam minimizados diante de um embate que diz respeito meramente ao funcionamento administrativo das casas do parlamento brasileiro. Porém, esse mero funcionamento pode ser decisivo na capacidade de influência de um mandato popular no cotidiano parlamentar.

No cenário atual, após a eleição de Jair Bolsonaro, com um Congresso Nacional abertamente de maioria reacionária, beira ao escárnio imaginar a presidência da câmara ou do senado sendo exercida por algum parlamentar do campo progressista. Com todo respeito ao companheiro Marcelo Freixo (PSOL/RJ), um excelente e combativo deputado, mas infelizmente é preciso informar que ele não possui qualquer chance de ser eleito presidente nessa composição da Câmara dos Deputados. Para fins de exemplo, somente a bancada evangélica possui mais de 8 vezes o número de parlamentares do partido de Freixo (o PSOL tem 10 deputados federais e a bancada evangélica tem 84). De qualquer modo, essa incapacidade de ser presidente da câmara ou do senado não é exclusividade do Freixo. Isso é um quadro claro para qualquer nome de esquerda após o fracasso retumbante do campo progressista nas urnas.

De lado oposto, não repetindo o erro político de Dilma Rousseff em 2015, quando resolveu medir forças com o fisiologismo parlamentar disputando e perdendo contra Eduardo Cunha, Jair Bolsonaro, mesmo com enorme popularidade, resolveu ceder logo em seu segundo dia de mandato entregando o apoio de seu partido, o PSL, para Rodrigo Maia (DEM/RJ), deputado federal que tenta a reeleição na presidência da Câmara dos Deputados. Na base social do bolsonarismo, ora fomentada pelo difuso combate contra a “corrupção” da “velha política”, inicialmente a articulação da presidência da república não foi bem recebida. No entanto, de modo inteligente, os deputados de Bolsonaro têm buscado explicar de maneira didática sobre os êxitos do governo eleito com esse acordo, a começar claramente apontando que o PSL ficará com a presidência de duas importantes comissões (Constituição e Justiça (CCJ), e de Finanças e Tributação), além da segunda vice-presidência da Câmara dos Deputados. Por mais exausta do famoso “toma lá, dá cá”, a militância bolsonarista está aos poucos entendendo que o apoio do PSL a Rodrigo Maia foi uma grande cartada para estabilidade do Governo Bolsonaro, e um duro golpe contra a oposição.

Eis aqui a indispensabilidade de tornar a realpolitik uma matéria didática de formação militante, uma constante tarefa por exemplo no engajamento das redes. Os nossos inimigos já aprenderam isso. Seja agora com o apoio do bolsonarismo para Rodrigo Maia, seja no passado recente com o inesquecível retrato do MBL com Eduardo Cunha, uma imagem muito bem justificada pela militância golpista. Não por acaso, tempos depois, o MBL elegeu a sua bancada, Dilma caiu, Cunha e Lula foram presos, e ninguém mais lembra daquela caricata foto. Assim como ninguém mais lembra do irresponsável e fatídico movimento “Fora Cunha”, então promovido pelo PT e por seus satélites, uma nada inteligente tática de aprofundamento do desgaste com o presidente da Câmara dos Deputados à época, aquele que mesmo sem ter sido apoiado por Dilma chegou a dizer que o impeachment era golpe antes da mencionada ofensiva petista. Apenas para pontuar, tem quem aponte a queda do PT pelo excesso de realpolitik, entretanto, é preciso advertir que foi justamente o que faltou no segundo Governo Dilma, além dos claros erros econômicos e erros de outros tipos.

Com a consagração do acordo entre Bolsonaro e Rodrigo Maia, não seria melhor ficar distante disso e denunciar essa “negociata” da “velha política”? Nesse caso, não seria melhor apoiar Freixo ou outra candidatura de esquerda, somente para demarcar o campo político de oposição, forjando um terceiro turno (para perder novamente…)? Evidentemente que não! Um apoio a uma candidatura como a de Freixo ou de outro candidato progressista sem viabilidade somente levaria a um isolamento maior dentro do Congresso Nacional. A derrota é certa, mas além da derrota na disputa, a esquerda perderia espaço em comissões parlamentares e ficaria fora da mesa diretora, ou seja, estaria finalmente distanciada da política real. E na política não há espaço vazio, esse espaço claramente seria ocupado pelos generais do retrocesso, aqueles que insistirão em colocar a esquerda na clandestinidade (ou no ócio forçado) até o último dia dos seus respectivos mandatos. Portanto, não vale a pena correr o risco do isolamento por conta de candidaturas natimortas.

Em tempo de projetos que visam a criminalização do comunismo, em tempo de ondas de hiperjudicialização antipolítica, em tempo de Lawfare (guerra jurídica contra política), em tempo de inconstitucionalidade como regra, em tempo de invasão policial (sem autorização) em gabinetes de 14 deputados federais (todos do PT e do PSOL), em tempo de tantos ataques contra o Estado Democrático de Direito, parece clichê, contudo, é preciso dizer que recuar não é vergonha, camaradas. Muito pelo contrário, é ter a grandeza de reconhecer que algumas batalhas são momentaneamente impossíveis de vencer, e nesse caso reduzir danos, reduzir perdas, e quem sabe até conseguir o êxito de neutralizar o inimigo, já são grandes vitórias. Nunca é demais recordar que votação de presidência da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal não tem qualquer vinculação direta (ou indireta) com o posicionamento de oposição ou situação do Governo Federal. A esquerda não colabora com Bolsonaro ao votar em Rodrigo Maia na eleição palaciana e meramente formal de presidência da Câmara dos Deputados (uma eleição inclusive já virtualmente decidida a favor de Maia). Uma análise que diga o contrário, ou é canalha, ou é estúpida.

Por tudo isso, e principalmente pela indispensabilidade de ocupar espaços importantes nas comissões da Câmara dos Deputados, e eventualmente na Mesa Diretora, sendo mecanismos cruciais para uma resistência parlamentar contra um governo ultrarreacionário, entende-se, portanto, que seja um acerto o apoio de setores da esquerda (PDT/PCdoB) a Rodrigo Maia, o franco favorito para a disputa da presidência da Câmara dos Deputados. E afirmamos isso sem tecer qualquer elogio hilário a Maia (“democrata”, “cumpridor de acordos”, “responsável”, e outras bobagens mais); nem dizemos isso porque estamos conquistando algo diretamente, haja vista que nosso Partido (Organização A Marighella – CPR) ainda não possui deputados; enfim, afirmamos isso porque o apoio a Rodrigo Maia, até este momento (16 de janeiro de 2018), é virtualmente a única opção de acúmulo real de forças para esquerda na eleição da presidência da Câmara dos Deputados.  

Entretanto, o primeiro erro desse acerto já se encontra na publicidade desnecessária e inoportuna das sinalizações do PDT e do PCdoB antes mesmo da definitiva decisão. Sem esclarecimento das tratativas, sem saber as condições reais de um eventual acordo (ou sem divulgá-las), é no mínimo amador esse deslize, ainda mais considerando que em tese PDT e PCdoB estão inseridos em um bloco parlamentar com o PSB.

O segundo erro é justamente a demora em discutir, e até de resolver, essa pauta. Bolsonaro resolveu no segundo dia de mandato e assegurou as importantes presidências das comissões de Constituição e Justiça (a mais relevante da Casa) e de Finanças e Tributação, além da segunda vice-presidência. O terceiro erro é decorrente do segundo, ou seja, considerada a mora, muito provavelmente o apoio a Rodrigo Maia possa ser tardio e ineficaz. Dessa forma, a tal ocupação de espaços em comissões importantes da Câmara dos Deputados, e até mesmo uma possível participação na Mesa Diretora, objetivos principais do eventual acordo, podem ser prejudicados pela demora na resolução do tema, possivelmente ficando sem fundamento político sério para o apoio a Rodrigo Maia, o que pode acarretar em problemas futuros para oposição. Afinal, a depender das verdadeiras contrapartidas de Maia, poderá o acordo ser maculado, resultando em vexame público e mais desconfiança sobre as legendas de esquerda que apoiarem o deputado neoliberal. Fazer esse balanço antes de fechar o apoio é a mais cristalina realpolitik.

E o quarto erro, o principal, reside no fato de que a esquerda brasileira, imensamente analógica, e nisso há uma autocrítica e crítica, ainda não percebeu a indispensabilidade de um tratamento diferenciado nas redes sociais, mesmo depois do fenômeno Bolsonaro. É preciso ter a mais intensa transparência, é preciso ser didático e claro, é preciso tornar a realpolitik algo sensível na vida das pessoas. Não há mistério. Há trabalho de base a ser feito!

Cumpre alertar que esses quatro graves erros, todos cometidos até então, podem impossibilitar o acerto no apoio a Rodrigo Maia. Na prática, esse acerto pode se tornar paradoxalmente o quinto erro do apoio, e tão logo o apoio não ser mais assertivo.

Infelizmente há tempo que em toda eleição de presidência de casa legislativa surge essa ladainha. No entanto, a resposta quanto a isso não está em ignorar os clamores por uma “nova política”, porque sonhamos e lutamos por uma nova política, por um parlamento que não seja dominado por interesses das elites dominantes. A resposta está na formação didática sobre os limites da vontade e do discurso político dentro da institucionalidade da ordem burguesa. Muito longe de endossar um cretinismo parlamentar, que deve ser fortemente combatido, nós devemos fazer com que mais e mais brasileiros compreendam a complexidade da luta política real. Nossa tarefa é aplicar a justa dualidade de linha em casos concretos como esse: na ordem superestrutural, fortalecer a mais ampla frente em defesa da democracia, e nas ruas (e redes) denunciar a hipocrisia conservadora de Bolsonaro, que antes era contra a “velha política” e hoje está com Rodrigo “Botafogo” Maia. Não há outro caminho, por mais contraditório que possa parecer. Recordemos que a nova direita tem feito o mesmo, isto é, tem denunciado atos da esquerda que ela mesmo faz.

O fundamental agora é garantir minimamente que o Congresso Nacional tenha um funcionamento democrático na medida dos limites de um governo ultrarreacionário e perigoso ao Estado Democrático de Direito. Não há qualquer viabilidade de grandes conquistas neste parlamento brasileiro. Em poucas palavras, o mínimo será máximo.

De qualquer modo, cumpre informar que o campo progressista tem uma chance de sair melhor na disputa do Senado Federal, tendo em vista que Bolsonaro deve apoiar o senador paulista de seu partido, Major Olímpio (PSL/SP), deixando o franco favorito longe do governo. Basta a oposição fazer o óbvio, sem ser furtiva da realidade, sem ressuscitar relações regionais de pouca viabilidade. Não estamos em condições de interditar o debate por motivos ideológicos, nem mesmo em condições de interditar o debate por motivos moralistas, ainda que o ideal fosse um nome imune aos atropelos do judiciário.

Entre erros e acertos, a realidade política impõe-se plenamente, portanto, escondê-la das massas populares, em vez de ser pedagógico e didático, costuma ser um péssimo caminho. A verdade é sempre revolucionária.

 

Gustavo Ferreira é militante da Organização A Marighella – CPR (Coluna RJ) e estudante de Geografia (UERJ).

João Herminio é membro do Comando nacional da Organização A Marighella – CPR, secretário-geral do Centro Cultural Camarada Velho Toledo e advogado.