Lenin: O oportunismo e a falência da II Internacional (1916)

Antes de tudo, cabe explicar que este texto de Lenin foi uma resposta ao nefasto apoio para I Guerra Mundial, um conflito abertamente imperialista, por parte da maioria dos partidos-membros da II Internacional, então Internacional Socialista. Ao cuidar da questão da “pátria”, Lenin faz uma fundamental crítica ao social-chauvinismo, um comportamento oportunista de adesão cega à política da burguesia nacional, algo bastante comum entre ditos “socialistas” em países que são verdadeiras potências imperialistas, ou perto de serem. Não confundir com a luta dos povos colonizados (e/ou neocolonizados) por suas libertações nacionais, uma luta patriótica necessária de autodeterminação popular, uma luta integrada à causa internacionalista.

Cumpre recordar, em resumo, que entre 28 de setembro de 1864 e 1876 existiu a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), a apelidada I Internacional (Primeira Internacional), sob a direção revolucionária de Karl Marx e Friedrich Engels. Anos depois, em 1889, é reconstruída a Internacional com a nomenclatura de “Internacional Operária e Socialista”, ficando mais conhecida por II Internacional (Segunda Internacional). As lideranças desse organismo eram principalmente Lenin, Eduard Bernstein e Karl Kautsky. Essas duas últimas figuras com a dinâmica decisiva da luta demonstraram-se revisionistas, contrarrevolucionárias e meramente reformistas. Não por acaso, Lenin neste texto e em outras obras, renega o oportunismo da II Internacional, caracterizada como inimiga da classe trabalhadora, sendo enterrada durante a I Guerra Mundial, conflito apoiado pelos renegados ora falsos internacionalistas. Com o triunfo da Revolução Russa, foi reconstruída a Internacional de Marx, Engels e Lenin em 1919, ficando conhecida por “Internacional Comunista (IC)”, ou ainda III Internacional (Terceira Internacional), ou no idioma russo “Comintern (Komintern)”. Esta foi a última experiência exitosa de unidade entre as forças revolucionárias de todo o mundo, durando até 1943, sendo suspensa em virtude da II Guerra Mundial por uma indispensabilidade de garantia da união entre os países “Aliados” contra o nazifascismo. Entretanto, mesmo após a suspensão, até a morte de Stalin, a IC funcionava de maneira clandestina, sendo depois, lamentavelmente, uma mera correia burocrática de transmissão do Partido Comunista da União Soviética, então já debilitado pelo revisionismo de Kruschev, para outras forças políticas submissas.

Para fins de informação, desde 1951 há uma reunião de partidos da socialdemocracia denominada “Internacional Socialista” (IS), uma suposta herdeira da II Internacional. Essa congregação apresenta historicamente posições afinadas com os imperialismos ianque e europeu. Da mesma maneira, existem dezenas de organismos de linha trotskista que reivindicam uma Quarta Internacional, que inclusive teria um símbolo da foice e do martelo em lado oposto, com objetivo de sinalizar um “4”. No entanto, ironicamente essa simbologia acaba por permitir a jocosidade de que essas variações de internacionais trotskistas comprovadamente sempre estão na contramão da justa causa do comunismo internacional.


 

Lenin: O oportunismo e a falência da II Internacional (1916)

I

A II Internacional deixou realmente de existir? Os seus representantes mais autorizados, como Kautsky e Vandervelde, negam-no obstinadamente. Nada aconteceu além de uma ruptura das relações; tudo está bem; tal é o seu ponto de vista.

A fim de esclarecer a verdade, vejamos o manifesto do congresso de Basileia de 1912, que se refere precisamente à atual guerra mundial imperialista e foi adotado por todos os partidos socialistas do mundo. Deve-se assinalar que nenhum socialista ousará, em teoria, negar a necessidade de uma avaliação histórica concreta de cada guerra.

Agora que a guerra eclodiu, nem os oportunistas declarados nem os kautskistas se resolvem nem a negar o manifesto de Basileia nem a confrontar com as suas exigências o comportamento dos partidos socialistas durante a guerra. Porquê? Pois porque o manifesto os desmascara inteiramente a uns e a outros.

Nele não há nem uma única palavrinha sobre a defesa da pátria, nem sobre a diferença entre a guerra ofensiva e a guerra defensiva, nem uma palavra sobre tudo que afirmam agora aos quatro ventos os oportunistas e os kautskistas(1) da Alemanha e da quádrupla Entente. O manifesto não podia falar disso, dado que aquilo que ele diz exclui absolutamente qualquer emprego desses conceitos. Ele indica de maneira absolutamente concreta uma série de conflitos econômicos e políticos que prepararam esta guerra durante decênios, que se tinham revelado plenamente em 1912 e provocaram a guerra de 1914. O manifesto recorda o conflito russo-austríaco a propósito da “hegemonia nos Balcãs”, o conflito entre a Inglaterra, a França e a Alemanha (entre todos estes países!) a propósito da sua “política de conquista na Ásia Menor”, o conflito austro-italiano a propósito da “aspiração ao domínio” na Albânia, etc. O manifesto define numa palavra todos esses conflitos como conflitos no terreno do “imperialismo capitalista”. Deste modo, o manifesto reconhece com toda a clareza o caráter espoliador, imperialista, reacionário, escravista desta guerra, isto é, o caráter que transforma a admissibilidade da defesa da pátria numa insensatez do ponto de vista teórico e num absurdo do ponto de vista prático. Está em curso uma luta dos grandes tubarões para devorar “pátrias” estrangeiras. O manifesto tira as conclusões inevitáveis de fatos históricos indiscutíveis: esta guerra não pode ser “justificada por qualquer pretexto de interesse popular”; ela é preparada “a bem dos lucros dos capitalistas e das ambições das dinastias”. Seria “um crime” se os operários “começassem a disparar uns contra os outros”. Assim diz o manifesto.

A época do imperialismo capitalista é a época do capitalismo maduro e mais que maduro, do capitalismo que está em vésperas da sua derrocada, que amadureceu o suficiente para dar lugar ao socialismo. O período de 1789 a 1871 foi a época do capitalismo progressista, em que na ordem do dia da história estava o derrube do feudalismo e do absolutismo, a libertação do jugo estrangeiro. Nesse terreno, e só nele era admissível a “defesa da pátria”, isto é, a defesa contra a opressão. Este conceito poderia ainda hoje ser aplicado a uma guerra contra as grandes potências imperialistas, mas seria absurdo aplicá-lo à guerra entre as grandes potências imperialistas, à guerra na qual se trata de saber quem pilhará mais os países balcânicos, a Ásia Menor, etc. Não é por isso de espantar que os “socialistas” que reconhecem a “defesa da pátria” na presente guerra evitem o manifesto de Basileia como o ladrão evita o lugar do roubo. É que o manifesto demonstra que eles são sociais-chauvinistas, isto é, socialistas em palavras e chauvinistas na realidade, que ajudam a “sua” burguesia a pilhar países estrangeiros, a subjugar outras nações. O que é essencial na noção de “chauvinismo” é a defesa da “sua” pátria mesmo quando as ações desta visam escravizar as pátrias alheias.

Do reconhecimento de uma guerra como guerra de libertação nacional decorre uma tática, do seu reconhecimento como guerra imperialista decorre outra. O manifesto aponta claramente essa outra tática. A guerra “provocará uma crise econômica e política” que deverá ser “aproveitada”: não para atenuar a crise, não para defender a pátria mas, pelo contrário, para “sacudir” as massas, para “apressar a queda do domínio do capital”. Não se pode apressar aquilo cujas condições históricas ainda não amadureceram. O manifesto reconhecia que a revolução social é possível, que as premissas para ela amadureceram, que ela virá precisamente em relação com a guerra: as “classes dominantes” temem “a revolução proletária”, declara o manifesto, invocando o exemplo da Comuna de Paris e da revolução de 1905 na Rússia, isto é, os exemplos das greves de massas, da guerra civil. É uma mentira afirmar, como faz Kautsky, que a atitude do socialismo para com esta guerra não foi esclarecida. Esta questão não só foi discutida como foi decidida em Basileia, onde foi adotada a tática da luta proletária revolucionária de massas.

É uma revoltante hipocrisia passar em silêncio, totalmente ou nas partes mais essenciais, o manifesto de Basileia e em lugar dele citar discursos de dirigentes ou resoluções de certos partidos que, em primeiro lugar, foram proferidos antes de Basileia, em segundo lugar não eram decisões dos partidos de todo o mundo, em terceiro lugar referiam-se a diferentes guerras possíveis, mas não à presente guerra. O fundo da questão está em que a época das guerras nacionais entre as grandes potências europeias foi substituída pela época das guerras imperialistas entre elas e em que o manifesto de Basileia teve pela primeira vez de reconhecer oficialmente esse fato.

Seria um erro pensar que o manifesto de Basileia é uma declamação oca, uma fraseologia oficial, uma ameaça pouco séria. É assim que gostariam de apresentar a questão aqueles que esse manifesto desmascara. Mas isso é falso. O manifesto é apenas o resultado de um grande trabalho de propaganda de toda a época da II Internacional, é apenas um resumo de tudo aquilo que os socialistas lançaram entre as massas em centenas de milhares de discursos, artigos e apelos em todas as línguas. Ele apenas repete aquilo que escreveu, por exemplo, Jules Guesde em 1899, quando fustigava o ministerialismo(2)dos socialistas em caso de guerra: ele falava da guerra provocada pelos “piratas capitalistas” (En garde!, p. 175); apenas repete aquilo que escreveu Kautsky em 1909 em O Caminho do Poder, onde reconhecia o fim da época “pacifica” e o inicio de uma época de guerras e revoluções. Apresentar o manifesto de Basileia como fraseologia ou como um erro significa considerar como fraseologia ou como um erro todo o trabalho socialista nos últimos 25 anos. A contradição entre o manifesto e a sua não aplicação é tão intolerável para os oportunistas e kautskistas porque ela revela a profundíssima contradição no trabalho da II Internacional. O caráter relativamente “pacifico” do período de 1871 a 1914 alimentou o oportunismo primeiro como estado de espírito, depois como tendência e finalmente como grupo ou camada da burocracia operária e dos companheiros de jornada pequeno-burgueses. Estes elementos só podiam submeter o movimento operário reconhecendo em palavras os objetivos revolucionários e a tática revolucionária. Eles só podiam conquistar a confiança das massas através da afirmação solene de que todo o trabalho “pacifico” constitui apenas uma preparação para a revolução proletária. Esta contradição era um abcesso que alguma vez haveria de rebentar, e rebentou. Toda a questão consiste em saber se se deve tentar, como fazem Kautsky e C.a, reintroduzir de novo esse pus no organismo em nome da “unidade” (com o pus) ou se, para ajudar à completa cura do organismo do movimento operário, se deve, o mais depressa possível e o mais cuidadosamente possível, livrá-lo desse pus, apesar da temporária dor aguda causada por esse processo.

E evidente a traição ao socialismo por parte daqueles que votaram pelos créditos de guerra, entraram para os ministérios e advogaram a ideia da defesa da pátria em 1914-1915. Só os hipócritas podem negar este fato. É necessário explicá-lo.

II

Seria absurdo encarar toda a questão como uma questão de pessoas. Que relação tem isso com o oportunismo se pessoas como Plekhánov e Guesde, etc.? – interrogava Kautsky (Neue Zeit, 28 de Maio de 1915). Que relação tem isso com o oportunismo se Kautsky, etc.? – respondia Axelrod em nome dos oportunistas da quádrupla Entente (Die Krise der Sozialdemokratie(3), Zurique, 1915, p. 21). Tudo isso é uma comédia. Para explicar a crise de todo o movimento é necessário examinar, em primeiro lugar, o significado e c o n ó m i c o desta política, em segundo lugar as ideias que estão na sua base, e em terceiro lugar a sua ligação coma história das tendências no socialismo.

Em que consiste a essência econômica do defensismo durante a guerra de 1914-1915? A burguesia de todas as grandes potências trava a guerra com o fim de partilhar e explorar o mundo, com o fim de oprimir os povos. Um pequeno circulo da burocracia operária, da aristocracia operária e de companheiros de jornada pequeno-burgueses podem receber algumas migalhas dos grandes lucros da burguesia. A causa de classe profunda do social-chauvinismo e do oportunismo é a mesma: a aliança de uma pequena camada de operários privilegiados com a “sua” burguesia nacional contra as massas da classe operária, a aliança dos lacaios da burguesia com esta última contra a classe por ela explorada.

O conteúdo político do oportunismo e do social-chauvinismo é o mesmo: a colaboração das classes, a renúncia à ditadura do proletariado, a renúncia às ações revolucionárias, o reconhecimento sem reservas da legalidade burguesa, a falta de confiança no proletariado, a confiança na burguesia. O social-chauvinismo é a continuação direta e o coroamento da política operária liberal inglesa, do millerandismo e do bernsteinianismo(4)

A luta entre as duas tendências fundamentais no movimento operário, o socialismo revolucionário e o socialismo oportunista, abrange toda a época de 1889 a 1914. E também hoje existem em todos os países duas correntes principais quanto à questão da atitude para com a guerra. Deixemos a maneira burguesa e oportunista de invocar os indivíduos. Tomemos as tendências numa série de países. Tomaremos dez Estados europeus: Alemanha, Inglaterra, Rússia, Itália, Holanda, Suécia, Bulgária, Suiça, Bélgica e França. Nos primeiros oito países a divisão em tendências oportunista e revolucionária corresponde à divisão em sociais-chauvinistas e internacionalistas. Na Alemanha os pontos de apoio do social-chauvinismo são os Sozialistische Monatshefte e Legien e C.a; na Inglaterra os fabianos e o Partido Trabalhista (o ILP fez sempre bloco com eles, apoiou o seu órgão e sempre foi mais fraco nesse bloco do que os sociais-chauvinistas, enquanto no BSP os internacionalistas constituem três sétimos); na Rússia essa corrente é representada pela Nacha Zariá (agora Nache Delo), pelo Comitê de Organização, pela fração da Duma dirigida por Tchkheidze; na Itália pelos reformistas encabeçados por Bissolati; na Holanda pelo partido de Troelstra; na Suécia pela maioria do partido, dirigida por Branting; na Bulgária pelo partido dos “amplos” (5); na Suiça por Greulich e C.ª Foi precisamente entre os sociais-democratas revolucionários de todos estes países que se ergueu já um protesto mais ou menos vivo contra o social-chauvinismo. Apenas dois países constituem excepção: a França e a Bélgica, onde no entanto o internacionalismo também existe, mas é muito fraco.

O social-chauvinismo é o oportunismo acabado. Ele amadureceu para uma aliança aberta, freqüentemente vulgar, com a burguesia e os estados-maiores. E é precisamente essa aliança que lhe dá uma grande força e o monopólio da imprensa legal e da mistificação das massas. E absurdo considerar ainda hoje o oportunismo como um fenômeno interno do partido. É absurdo pensar em aplicar a resolução de Basileia em conjunto com DavidLegienHyndman, Plekhánov e Webb. A unidade com os sociais-chauvinistas é a unidade com a sua “própria” burguesia nacional, que explora outras nações, é a cisão do proletariado internacional. Isso não significa que a ruptura com os oportunistas é imediatamente possível em toda a parte, significa apenas que ela amadureceu historicamente, que ela é necessária e inevitável para a luta revolucionária do proletariado, que a história, que conduziu do capitalismo “pacifico” ao capitalismo imperialista, preparou essa ruptura. Volentem ducunt fata, nolentem trahunt. (6)

III

Os representantes inteligentes da burguesia compreenderam-no muito bem. Por isso elogiam tanto os atuais partidos socialistas, à frente dos quais se encontramos “defensores da pátria”, isto é, os defensores da pilhagem imperialista. E por isso que os governos gratificam os chefes sociais-chauvinistas ora com postos ministeriais (em França e Inglaterra) ora com o monopólio da existência legal sem obstáculos (na Alemanha e na Rússia). É por isso que na Alemanha, onde o partido social-democrata era o mais forte e onde a sua transformação em partido operário nacional-liberal contra-revolucionário foi mais evidente, as coisas chegaram a tal ponto que o ministério público vê na luta entre a “minoria” e a “maioria” uma “incitação ao ódio de classe”! Por isso os oportunistas inteligentes se preocupam acima de tudo com a preservação da anterior “unidade” dos velhos partidos, que prestaram tão grandes serviços à burguesia em 1914-1915. Um dos membros da social-democracia alemã, que publicou em Abril de 1915, sob o pseudônimo de Monitor, um artigo na revista reacionária Preussische Jahrbucher, exprime com uma franqueza digna de agradecimento as concepções desses oportunistas em todos os países do mundo. Monitor considera que para a burguesia seria muito perigoso que a social-democracia se deslocasse ainda mais para a direita: “Ela deve manter o caráter de partido operário com ideais socialistas. Porque no dia em que ela renunciar a isso, surgirá um novo partido, que adotará o programa rejeitado pelo velho partido anterior e lhe dará uma formulação ainda mais radical” (Preussische Jahrbucher, 1915, n.0 4, pp. 50-5 1).

Monitor acertou em cheio. Os liberais ingleses e os radicais franceses sempre quiseram precisamente isso: frases de ressonância revolucionária, para enganar as massas, para que estas tenham confiança em Lloyd George, Sembat, RenaudelLegien e Kautsky, em homens capazes de pregar a “defesa da pátria” na guerra de rapina.

Mas Monitor representa apenas uma das variedades do oportunismo: aberta, grosseira, cínica. As outras atuam dissimuladamente, subtilmente, “honestamente”. Engels disse uma vez: os oportunistas “honestos” são os mais perigosos para a classe operária…(7) Eis um exemplo:

Kautsky escreve na Neue Zeit (de 26 de Novembro de 1915):

“Cresce a oposição contra a maioria; o espírito das massas é de oposição.” “Depois da guerra (só depois da guerra? N. L.) as contradições de classe agudizar-se-ão de tal modo que o radicalismo entre as massas se imporá.” “Depois da guerra (só depois da guerra? N. L.) arriscamo-nos a que os elementos radicais fujam do partido e refluam para um partido de ações de massas antiparlamentares (entenda-se: extraparlamentares).” “Assim, o nosso partido decompõe-se em dois campos extremos, que nada têm de comum entre si.” A fim de salvar a unidade, Kautsky procura convencer a maioria no Reichstag a autorizar a minoria a pronunciar alguns discursos parlamentares radicais. Isto significa que Kautsky quer, por meio de alguns discursos parlamentares radicais, reconciliar as massas revolucionárias com os oportunistas, que “nada têm de comum” com a revolução, que já há muito dirigem os sindicatos e que agora, apoiando-se na sua estreita aliança com a burguesia e com o governo, se apoderaram também da direção do partido.

Em que é que isto difere, no fundo, do “programa” de Monitor? Em nada a não ser nas frases melosas que prostituem o marxismo.

Na reunião da fração do Reichstag de 18 de Março de 1915, o kautskista Wurm “preveniu” a fração para não “esticar demasiado a corda; nas massas operárias cresce a oposição contra a maioria da fração; é necessário manter-se no centro marxista” (?! sem dúvida uma gralha: deve ler-se “monitoria”) (Klassenkampf gegen den Krieg! Material zum “Fali Liebknecht”. Ais Manuskript gedruckt(8), p. 67). Deste modo, vemos que o fato de que as massas são revolucionárias foi reconhecido em nome de todos os kautskistas (o chamado “centro”) já em Março de 1915!! E oito meses e meio mais tarde Kautskyde novo apresenta a proposta de “reconciliar” as massas, que querem lutar, com o partido oportunista, contra-revolucionário, e isto com a ajuda de algumas frases de sonoridade revolucionária!!

A guerra tem muitas vezes a utilidade de pôr a nu a podridão e rejeitar o convencionalismo.

Comparemos os fabianos ingleses com os kautskistas alemães. Eis o que escrevia acerca dos primeiros um verdadeiro marxista, Friedrich Engels, em 18 de Janeiro de 1893: “… um bando de ambiciosos que têm entendimento suficiente para verem a inevitabilidade do revolucionamento social, mas para quem é, no entanto, impossível confiar este trabalho gigantesco ao proletariado imaturo… medo da revolução é o seu princípio fundamental…” (Correspondência com Sorge, p. 390).

E em 11 de Novembro de 1893 escreve: ….. estes burgueses enfatuados que querem por benevolência condescender em libertar o proletariado de cima para baixo, desde que este queira ser tão inteligente para assim compreender que uma massa bruta inculta não pode libertar-se a si própria e não chega a nada a não ser pela benevolência desses advogados, literatos, atemorizados e destas comadres sentimentais…” (ibidem, p. 401).

Em teoria Kautsky olha os fabianos com desprezo, como o fariseu o pobre publicano. Porque ele jura pelo “marxismo”. Mas qual é na prática a diferença entre eles? Assinaram ambos o manifesto de Basileia e atuaram ambos em relação a ele como Guilherme II em relação à neutralidade belga. Enquanto Marx durante toda a sua vida fustigou as pessoas que procuram abafar o espírito revolucionário dos operários.

Kautsky opôs aos marxistas revolucionários a nova teoria do “ultra-imperialismo”. Por ultra-imperialismo ele entende a eliminação da “luta dos capitais financeiros nacionais entre si” e a sua substituição pela “exploração conjunta do mundo pelo capital financeiro internacional” (N. Z., 30 de Abril de 1915). Mas acrescenta: “ainda não dispomos das premissas suficientes para decidir se esta nova fase do capitalismo é realizável”. Assim, é com base apenas em suposições sobre uma “nova fase”, sem ousar declarar abertamente que ela é “realizável”, que o inventor dessa “fase” rejeita as suas próprias declarações revolucionárias, rejeita as tarefas revolucionárias e a tática revolucionária do proletariado agora, na “fase” da crise já iniciada, da guerra, de uma agudização maldita das contradições de classe! Não será isto o mais ignóbil fabianismo?

O líder dos kautskistas russos, Axelrod, vê “o centro de gravidade do problema da internacionalização do movimento libertador do proletariado na internacionalização da prática quotidiana”: por exemplo, “a legislação sobre a proteção do trabalho e a legislação do seguro social devem ser objeto de ações e da organização internacionais dos operários” (Axelrod, A Crise da Social-Democracia, Zurique, 1915, pp. 39-40). É perfeitamente claro que não só LegienDavid, os Webb, mas também o próprio Lloyd George, Naumann, Briand e Miliukov aderirão inteiramente a esse “internacionalismo”. Tal como em 1912, Axelrod está disposto, em nome de um futuro muito, muito distante, a proferir as frases mais revolucionárias, se a futura Internacional “atuar (contra os governos, em caso de guerra) e levantar uma tempestade revolucionária”. Vejam lá como nós somos corajosos! Mas quando se trata de apoiar e desenvolver agora a efervescência revolucionária que começa entre as massas, então Axelrod responde que essa tática das ações revolucionárias de massas “ainda teria alguma justificação se estivéssemos imediatamente em vésperas de uma revolução social, como aconteceu, por exemplo, na Rússia, onde as manifestações estudantis de 1901 anunciavam a aproximação de batalhas decisivas contra o absolutismo”. Mas no presente momento tudo isso é uma “utopia”, “bakuninismo“, etc., inteiramente no espírito de KolbDavidSudekum e Legien.

O inefável Axelrod esquece simplesmente que em 1901 na Rússia ninguém sabia nem podia saber que a primeira “batalha decisiva” teria lugar quatro anos mais tarde – não esqueça: quatro anos mais tarde – e não seria “decisiva”. E no entanto só nós, marxistas revolucionários, tínhamos razão nessa altura: nós ridicularizámos os Kritchevski e os Martinov, que apelavam imediatamente ao assalto. Nós apenas aconselhávamos os operários a expulsarem por toda a parte os oportunistas e a apoiar, intensificar e alargar com todas as suas forças as manifestações e outras ações revolucionárias de massas. A situação atual na Europa é perfeitamente análoga: seria insensato apelar ao assalto “imediato”. Mas seria vergonhoso intitular-se social-democrata e não aconselhar os operários a romper com os oportunistas e consolidar, aprofundar, alargar e intensificar com todas as suas forças o movimento revolucionário e as manifestações que se iniciam. A revolução nunca cai do céu já pronta, e no início da efervescência revolucionária nunca ninguém sabe se esta conduzirá e quando a uma revolução “verdadeira”, “autêntica”. Kautsky e Axelrod dão aos operários conselhos velhos, gastos, contra-revolucionários. Kautsky e Axelrod alimentam as massas com a esperança de que a futura Internacional será já certamente revolucionária – trata-se apenas de presentemente proteger, encobrir e embelezar a dominação dos elementos contra-revolucionários: os Legien, os David, os Vandervelde, os Hyndman. Pois não é evidente que a “unidade” com Legien e C.a constitui o melhor meio de preparar a “futura” Internacional revolucionária?

“A aspiração de transformar a guerra mundial em guerra civil seria uma loucura”, declara o líder dos oportunistas alemães, David (Die Sozialdemokratie und der Weltkrieg – A Social-Democracia e a Guerra Mundial, 1915, p. 172), respondendo ao manifesto do Comitê Central do nosso partido de 1 de Novembro de 1914 (9). Nesse manifesto diz-se, entre outras coisas:

“Por maiores que pareçam as dificuldades dessa transformação num ou noutro momento, os socialistas nunca renunciarão a um trabalho preparatório sistemático, perseverante, constante nesse sentido, desde que a guerra se tornou um fato.”

(Também citado por David, p. 171.) Um mês antes da publicação do livro de David o nosso partido publicou resoluções nas quais a “preparação sistemática” era explicada do seguinte modo:

1. Recusa dos créditos. 2. Ruptura da paz civil. 3. Criação de organizações ilegais. 4. Apoio às manifestações de solidariedade nas trincheiras. 5. Apoio a todas as ações revolucionárias de massas. David é quase tão corajoso como Axelrod: em 1912 não considerava “loucura”, em caso de guerra, a referência à Comuna de Paris.

Plekhánov, representante típico dos sociais-chauvinistas da Entente, raciocina sobre a tática revolucionária do mesmo modo que David. Chama-lhe “alucinofarsa”. Mas ouçamos Kolb, oportunista confesso, que escreveu: “O resultado da tática das pessoas que rodeiam Liebknecht seria uma luta levada até ao ponto de ebulição no seio da nação alemã” (Die Sozialdemokratie am Scheidewege – A Social-Democracia na Encruzilhada, p. 50).

Mas o que é uma luta levada até ao ponto de ebulição, senão uma guerra civil?

Se a tática do nosso CC, que nos seus traços fundamentais coincide com a tática da esquerda de Zimmerwald, fosse uma “loucura”, “um sonho”, “uma aventura”, “bakuninismo” – como afirmaram David, Plekhánov, AxelrodKautsky, etc. -, ela nunca poderia conduzir à “luta no seio da nação”, e muito menos ser levada até ao ponto de ebulição. As frases anarquistas em parte nenhuma do mundo conduziram à luta no seio de uma nação. Em contrapartida, os fatos mostram que precisamente em 1915, em conseqüência da crise suscitada pela guerra, cresce a efervescência revolucionária entre as massas, crescem as greves e as manifestações políticas na Rússia, as greves na Itália e na Inglaterra, as marchas da fome e as manifestações políticas na Alemanha. Não será isto o início das ações revolucionárias de massas?

Apoio, desenvolvimento, alargamento, intensificação das ações revolucionárias de massas, criação de organizações ilegais, sem as quais mesmo nos países “livres” não é possível dizer a verdade às massas populares: eis todo o programa prático da social-democracia nesta guerra. Tudo o resto é mentira ou fraseologia, sejam quais forem as teorias oportunistas ou pacifistas com que se enfeite (10).

Quando nos dizem que essa “tática russa” (expressão de David) não convém à Europa, nós respondemos habitualmente indicando fatos. Em 30 de Outubro, em Berlim, apresentou-se na direção do partido uma delegação de camaradas, mulheres de Berlim, e declarou “que agora, com a existência de um grande aparelho organizativo, é possível, muito mais facilmente que no tempo da lei contra os socialistas, difundir brochuras e panfletos ilegais e realizar “reuniões não autorizadas””. “Não nos faltam meios nem vias, mas, visivelmente, falta a vontade” (Berner Tagwacht, 1915, n.0 271).

Será que estas más camaradas foram desviadas do bom caminho pelos “sectários” russos, etc.? Será que as verdadeiras massas são representadas não por estas camaradas mas por Legien e Kautsky? Por Legien, que no seu relatório de 27 de Janeiro de 1915 fulminava a idéia “anarquista” de criação de organizações ilegais; por Kautsky, que se tornou a tal ponto contra-revolucionário que em 26 de Novembro, quatro dias antes da manifestação em Berlim de dez mil pessoas, qualificou as manifestações de rua como uma “aventura”!!

Basta de frases, basta de “marxismo” prostituído à la Kautsky! Depois de 25 anos de existência da II Internacional, depois do manifesto de Basileia, os operários não acreditarão mais em frases. O oportunismo mais do que amadureceu, passou definitivamente para o campo da burguesia, transformando-se em social-chauvinismo: ele rompeu espiritual e politicamente com a social-democracia. Romperá com ela também organizativamente. Os operários reclamam já uma imprensa “sem censura” e reuniões “não autorizadas”, isto é, organizações clandestinas para apoiar o movimento revolucionário das massas. Só uma tal “guerra à guerra” é uma causa social-democrata e não uma frase. E a despeito de todas as dificuldades, das derrotas temporárias, dos erros, dos enganos, das, essa causa levará a humanidade à revolução proletária vitoriosa.


Notas:

(1)Não se trata aqui da personalidade dos partidários de Kautsky na Alemanha, mas desse tipo internacional de falsos marxistas que oscilam entre o oportunismo e o radicalismo mas na realidade servem apenas de folha de parra ao oportunismo. Ministerialismo: o mesmo que millerandismo, tática oportunista de participação dos socialistas em governos burgueses reacionários. O termo surgiu em relação com a participação em 1899 do socialista francês Millerand no governo burguês de Waldeck-Rousseau(regressar ao texto)

(2) A questão do millerandismo foi discutida em 1900 no congresso de Paris da II Internacional. O congresso aprovou uma resolução conciliatória proposta por K. Kautsky, a qual condenava a participação dos socialistas no governo burguês , mas admitia a possibilidade dessa participação em casos “excepcionais”. Os socialistas franceses utilizaram esta ressalva para justificar a sua participação no governo da burguesia imperialista no período da Primeira Guerra Mundial. (regressar ao texto)

(3) A Crise da Social-Democracia. (regressar ao texto)

(4) Bernsteinianismo: corrente oportunista na social-democracia internacional surgida no fim do século XIX na Alemanha e designada segundo o nome de E. Bernstein, o mais aberto representante do revisionismo. Bernstein pronunciava-se contra a doutrina da revolução socialista e a ditadura do proletariado, declarando como única tarefa do movimento operário a luta por reformas, pela melhoria da situação econômica dos operário no quadro da sociedade capitalista. Nos congressos do Partido Social Democrata Alemão K. Kautsky criticou o bernsteinianismo, mas não colocou decididamente a questão da incompatibilidade da revisão do marxismo com a permanência de fileiras nas fileiras da social-democracia. (regressar ao texto)

(5) Socialistas “amplos”: na Bulgária o mesmo que “Obschedeltsi” . Corrente oportunista do Partido Social-democrata Búlgaro, que desde 1900 editou a revista Obscho Delo. Depois da cisão do X Congresso (1903) do Partido Social-Democrata, os “obschedelsi” formaram o Partido Social-Democrata Búlgaro, reformista. Durante a Primeira Guerra Mundial os “obschedeltsi” tiveram uma posição chauvinista. (regressar ao texto)

(6) O destino conduz aquele que consente, arrasta aquele que resiste. (regressar ao texto)

(7) F. Engels, Para a Crítica do Projeto de Programa Social-Democrata de 1891. (regressar ao texto)

(8) Luta de Classe contra a Guerra! Materiais para o “Caso Liebknecht”. Publicado como Manuscrito. (regressar ao texto)

(9) Em 1º de Novembro d 1914 foi publicado no jornal Sotsial-Demokrat o manifesto do CC do POSDR A Guerra e a Social-Democracia Russa, escrito Lenin. O manifesto definiu o caráter da Primeira Guerra Mundial como guerra imperialista e elaborou a tática dos bolcheviques: transformação da guerra imperialista em guerra civil. O manifesto condenou o social-chauvinismo dos dirigentes da II Internacional. (regressar ao texto)

(10) No congresso internacional de mulheres em Berna, em Março de 1915, as representantes do CC do nosso partido indicaram a necessidade absoluta de criar organizações ilegais. Isto foi rejeitado. As inglesas riram-se dessas propostas e enalteceram a “liberdade” inglesa. Mas alguns meses mais tarde foram recebidos jornais ingleses, como por exemplo o Labour Leader *, com espaços em branco, e posteriormente chegaram notícias de buscas policiais, de confiscação de brochuras, prisões e sentenças draconianas contra camaradas que na Inglaterra falavam da paz e só da paz!

*The Labour Leader (O Dirigente Operário): jornal semanal inglês, publica-se desde 1891. A partir de 1893 foi órgão do Partido Trabalhista Independente da Inglaterra. Desde 1946 publica-se com o nome de Socialist Leader (Dirigente Socialista). (regressar ao texto)